Bem Vindo ao campo!

Sinta-se um dentre os tantos girassóis pelo campo
Sinta o Sol te aquecendo, te chamando e te norteando
Sinta o vento soprando, te sacudindo e te movimentando
Sinta a água a cair te refrescando e te regando
Sinta a terra te sustentando e nutrindo
Sinta-se pleno, reluzente...Seja girassol.

by Girassol (Márcia Cavagnari)

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sexta-feira, 27 de março de 2009

Divagando sobre o Equinócio

Perdida nas minhas lembranças recordava algumas coisas da infância. Quando tinha uns 8 ou 9 anos e passava as férias toda na praia, num tempo em que férias durava muito...e quando acabavam retornava pra escola. Dito isso todos podem imaginar um balãozinho de texto saindo da minha cabeça com alguma frase enfadonha do tipo “Coisa chata!” ou “Poxa vida!”.

Mas nada disso não! Felizmente o reinício das aulas coincidia com uma época muito festiva. A Festa da Uva que acontecia no período da colheita das uvas nas vinículas das famílias de colonos italianos da minha cidade. As vinículas ficam relativamente perto da minha casa. Meu pai era descendente de italianos e, portanto, se relacionava muito bem com essas pessoas. Isso nos proporcionava acesso às vinículas sem cerimônias.

Na época da colheita as famílias asteavam a bandeira brasileira e a italiana num mastro improvisado por um tronco fino e comprido e abriam as vinículas pra festejar a colheita com a comunidade. Os colonos chamavam os amigos, os vizinhos e todos da comunidade próxima para se achegarem e partilharem desse momento de fartura.

Lembro do pai, combinando com nossos vizinhos e parentes de participarmos dessas festas nos fins de semana. Na veraneio 69 carregava os 5 filhos, esposa, cachorros, 4 pelegos, uma cesta vazia, uma toalha de mesa batida pra estender no chão, o chimarrão, canivete no bolso e seus cigarros de palha cuidadosamente preparados e confeccionados quase que “artesanalmente”. E lá íamos nós, todos bem faceiros.

Éramos sempre muito bem recebidos. Logo estávamos sentados nos pelegos estendidos em torno da toalha, debaixo dos parreirais, chupando uva numa conversa pra lá de animada. Atividades não faltavam. Tinha pra todos os gostos de todas as idades.

Os senhores, mais velhos, habilidosos com a gaita, a sanfona e violão, de voz treinada, brindavam os ouvidos dos visitantes, alternando canções brasileiras e italianas. Músicas agitadas e alegres, outras mais saudosas e valsadas...sempre uma atração bastante apreciada.

Alguns homens, mulheres e crianças, trajados tipicamente, se embriagavam ao som de vinho e boa música e entregavam seus corpos aos movimentos da tarantela e coreografias mais tradicionais da dança folclórica italiana.

Os meninos, meus irmãos e primos, aprendiam e ajudavam o pai e meus tios a colher uvas. Carregavam os cestos com cachos bem maduros, outros mais verdes, para que durassem mais tempo e pudéssemos aproveitar o máximo.

Eu, junto com toda criançada, corria solta no meio daquilo tudo com a Leci, a primeira cachorra que eu tive, uma collie. Corria perdida, sem saber o que fazer primeiro. Dançava um pouquinho, comia, brincava, explorava tudo. Lembro que ficava anciosa pra ser convidada pelas moças solteiras para participar do “passo”, como chamavam aquele processo de pisar nas uvas, que segundo a tradição, como diziam as senhoras de mais idade, deveria ser iniciado pelas meninas mais novas, as moças solteiras da comunidade. Eu só parava pra ouvir as histórias das “nonas”. Muito sábias que eram contavam suas histórias com riqueza de detalhes e expressão. Sabiam tudo sobre chás e tudo mais sobre medicina popular. Eram mulheres guerreiras, muito fortes e apesar da idade, cheias de vida.

As senhoras casadas se reuniam no pavilhão, junto ao fogão rústico e tachos gigantes pra trocar receitas a base de uva. Trocavam muitas outras dicas sobre ervas e temperos.

Voltávamos pra casa fartos de alegria e de comida. O cesto, antes vazio, retornava transbordante de uvas que duravam um bom tempo e viravam bolos, geléias, sucos e tudo mais que a criatividade da mãe mandasse. E como era criativa essa mulher!

Isso se repetiu muitas vezes depois. Até meus 15 anos e depois meu pai foi morar na praia por complicações de saúde. Ingressei no Ensino Médio, passei no vestibular e logo estava na faculdade, fazendo estágio, correndo, estudando, fazendo amigos, me formando, trabalhando, e tantas outras coisas mais que me preenchiam o tempo e me distanciavam cada vez mais daquilo tudo. Meu pai faleceu e então pensei que aqueles momentos pareciam ter virado somente boas lembranças de um tempo bom que jamais retornaria...

Até que, entre devaneios, me questionei sobre o JAMAIS. Por que jamais se as vinículas continuam no mesmo lugar? Se a Festa da Uva permanece sendo acontecimento da comunidade? Por que não retomar o contato com essas famílias tão amigas e acolhedoras? Por que não proporcionar pros meus sobrinhos o mesmo fim de semana de prazer que meu pai nos proporcionou quando éramos crianças? Por que não participar do “passo” já que agora sou moça solteira que pode convidar a sobrinha menina anciosa pra sentir o frescor das uvas na sola e entre os dedos dos pés? Por que não pedir que meu irmão ensine seu filho como colher os cachos de uva? Por que não levar minha mãe para saborear as uvas frescas enquanto ouve e conta suas histórias interessantes e cheias de mistérios junto com as outras senhoras tão sábias? Por que não rir, se lambuzar, correr e se fartar de tudo junto com os amigos, os parentes ou vizinhos?
Concluí então que, esses devaneios provocaram uma profunda reflexão e desencadearam uma proporcional transformação dentro de mim. Assim como meu passado e meu futuro se encontraram, a menina que fui um dia encontrou com a mulher que sou hoje. O vazio que eu sentia por pensar que esses momentos de partilha se perderam já não tinha mais sentido porque, enfim, pude enchergar novamente meu caminho. É uma estrada longa, cheia de surpresas e revelações. Pois estou certa de que nada será como antes, mas também sei que nada se perdeu como imaginei. Apenas se transformou na roda da vida e nesse Equinócio se apresentou fresco, renovado e repleto de possibilidades.

Um comentário:

  1. Ahh amigaaa, que coisa lindaaa sua primeira postagem, me deliciei junto com tua história, simplesmente lindo demais, parabéns pelo "filhote" que nasceu finalmente!!! e agradeço pela maravilhosa leitura que me proporcionou...bjs Yv.

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